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Artigos Quarta-feira, 28 de Dezembro de 2016, 08:21 - A | A

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Quarta-feira, 28 de Dezembro de 2016, 08h:21 - A | A

Protocolo do Coração

Ficar, transar, conquistar e partir

MARCELO DANTAS RIBEIRO

Divulgação

Marcelo Dantas Ribeiro

 

Adão era velho e imperfeito. Nem toda velhice recebe como prêmio a sabedoria. No uniforme da vida, ostentava as medalhas da calvície e das rugas. Alberto, por sua vez, era jovem e ansioso. Sempre ligado, com o brilho de uma tela no rosto. Adão gostou de Alberto — mas o gostar é um tímido mistério que se revela aos poucos. Adão gostou de Alberto como o homem gosta do canto do passarinho — não se questiona a beleza da melodia. Apenas se gosta.

 

Conversaram e ficaram. O primeiro beijo arrepiou o espírito de Adão. A paixão nova é a prova de que o aprendizado é infinito. E transaram. E foi bom. E Alberto fez Adão tão feliz.

 

Alberto, porém, parecia estar meio-presente nos encontros seguintes. Presenteava Adão com meios-abraços e meios-beijos. Mas não se vive pela metade. Não se vive meias-paixões. E Adão buscava o inteiro. Adão buscava toques inteiros. E carinhos inteiros. E olhares inteiros. Aos poucos, os encontros se tornavam encontr. E, depois, encon. Um dia, tornaram-se apenas en. E, por fim, desapareceram.

 

“Pedro, o Alberto não me atende mais.”

 

“Adão”, murmurou Pedro. “São três da manhã. Se me ligar de novo a essa hora, eu é que vou parar de falar com você.”

 

“Fico achando que fiz alguma coisa errada.”

 

“E fez. Não se liga para os outros de madrugada. Conversamos amanhã. Tchau.”

 

Mas Adão não dormiu. Pensando em Alberto, Adão se recordava de como, aos 20, temia os olhares dos outros, os comentários dos outros e, enclausurando seu próprio espírito, confinava-se numa redoma.

 

“Pedro, o Alberto está numa redoma. Lá, não se percebe que o fruto é, primeiro, uma flor. E que a flor é, antes, uma semente.”

 

“Adão, o que te falei sobre me ligar a essa hora?”

 

“Com medo de envelhecer, o Alberto antecipa rugas. Com medo de incomodar, ele se atrapalha. Com medo de demonstrar, ele se afoga em orgulho.”

 

“Adão, vocês pareciam estar juntos, mas transitavam em planos diferentes. E não há que se falar em culpa. São apenas desencontros. Durma bem.”

 

E Adão continuava acordado.

 

“Pedro, eu me sinto frustrado.”

 

“Adão, eu me sinto sonolento.”

 

Houve uma pausa.

 

“Mas, não vou te deixar de mãos vazias. Só quero que me prometa que esta será nossa última conversa nesta madrugada.”

 

“Prometido.”

 

“Promessa de dedo mindinho?”

 

“Fala logo!”

 

“Adão, todo mundo já foi posto de lado alguma vez na vida, até a pessoa mais atraente e interessante que você possa imaginar. E não há muito o que fazer. As pessoas são complicadas. Buscam coisas diferentes. O que para você foi uma experiência transcendental, para o outro pode ter sido apenas um beijo. O que para você foi um encontro, para o outro pode ter sido apenas sexo. Quando se está confuso, Adão, um novo relacionamento pode se tornar apenas mais um novo problema, e não uma solução.”

 

“Então eu sou um trouxa.”

 

“Isso foi uma pergunta?”

 

“Não.”

 

“Você é sensível, não trouxa. Adão, eu quero que você agora imagine uma coisa.”

 

“Diga.”

 

“Imagine que você receba a chave de uma casa belíssima. Nessa casa, você pode dar festas e jantares. Pode celebrar, beber, comer, fartar-se. Pode transar em todos os

cômodos. Pode explorá-la como tiver vontade. Por dado momento, a chave estará com você e você cuidará dessa casa como entender melhor. Mas, um dia, pedem a chave de volta. Você ficaria frustrado ou feliz pelos momentos que lá passou?”

 

Houve silêncio.

 

“Adão, a vida é assim. Às vezes, devolvemos a chave. Outras vezes, mudamos para a casa. Ou ficamos na nossa. Mas sabe o que é mais importante? Aproveitarmos a estadia.”

Adão desligou o telefone. E, sentindo-se finalmente em sua própria casa, adormeceu.

 

* MARCELO DANTAS RIBEIRO é bacharel em Direito pela UFMT.  [email protected]

 

 

 

Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do site de notícias www.hnt.com.br

 

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João Alberto 02/01/2017

Belo. Parabéns pelo texto tão bem escrito

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Francine 01/01/2017

Marcelo, sua delicadeza impressiona. Parabéns pela narrativa.

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Francine 01/01/2017

Marcelo, sua delicadeza impressiona. Parabéns pela narrativa.

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Larissa Guedes 30/12/2016

Achei muito lindo

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Fernando 30/12/2016

Parabéns pela bela e sensível narrativa!

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5 comentários

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