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Artigos Sábado, 19 de Abril de 2025, 10:07 - A | A

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Sábado, 19 de Abril de 2025, 10h:07 - A | A

FRANCISCO ROCHA

Sábado de Aleluia, pau-de-sebo e galinhada

FRANCISCO DAS CHAGAS ROCHA

Ah, o Sábado de Aleluia em Cuiabá… tempo bom que já vai longe, mas que não se apaga da lembrança de quem viveu aquele tempo de menino, de rua, de tradição e de muita algazarra. Era só chegar a Semana Santa que o cheiro de peixe frito e canjica começava a invadir os quintais, junto com a poeira dos pés da criançada que não parava um minuto quieta.

Na sexta-feira da Paixão, a ordem era clara: nada de brincar, cantar ou fazer baderna. A cidade parecia emudecida. O rádio baixinho, as vozes contidas, e o olhar atravessado das mães vigiando até o pensamento dos filhos. Se desse risada, então? Era a senha pro couro comer no sábado. E no sábado… ah, no sábado era o dia da compensação!

O famoso Sábado de Aleluia era, pra nós, uma mistura de quermesse, guerrilha e peça de teatro ao ar livre. A malhação do Judas era o ponto alto. Passávamos a semana inteira preparando o boneco — Judas, o traidor — que seria pendurado no poste da praça Bispo Dom José. Feito de pano, recheado com papel, bombons, às vezes até moedas, era o alvo da nossa fúria simbólica e da nossa folia.

Mas o segredo era o poste: um tronco liso, besuntado de sebo, tão escorregadio que parecia ter sido untado por mão de santo. No alto, o prêmio: um dinheirinho, um saquinho de doces, uma medalhinha de lata… e a glória de ser o herói do bairro. Subir naquele pau-de-sebo era tarefa de valente, e a meninada se revezava, escorregando e tentando de novo, entre gargalhadas e gritos de incentivo.

As mulheres, nesse dia, botavam pano na cabeça e viravam um furacão dentro de casa: varriam quintal, tiravam teia do forro, lavavam tudo. Era como se a limpeza da casa também fosse uma limpeza da alma.

Tinha também as “fundas”, os estilingues, e os “pelotes” — boletas de barro secadas ao sol, prontas pra serem disparadas num duelo de moleques. Era guerra, era festa, era infância em estado bruto. E no meio disso tudo, os adultos ficavam nas janelas, uns rindo, outros ralhando, mas todos com aquele brilho nos olhos de quem já tinha vivido aquilo ali também.

E claro, a galinhada não podia faltar. Tinha primo esperto que já sabia em qual casa “visitar” a noite. As galinhas mais gordinhas sumiam misteriosamente e no dia seguinte viravam farofa compartilhada entre os amigos da rua. Teve ano que o frango de estimação da vizinha virou almoço — e ainda chamaram ela pra comer. Foi a farofa da discórdia e da risada.

As mulheres, nesse dia, botavam pano na cabeça e viravam um furacão dentro de casa: varriam quintal, tiravam teia do forro, lavavam tudo. Era como se a limpeza da casa também fosse uma limpeza da alma. “Ranca os mato da calçada, menino, vai varrê esse terreiro, tira os mato do pé de goiaba que eu num tô criando preguiçoso aqui, não!”

E enquanto isso, os meninos armavam o poste, penduravam o Judas e, com um pedaço de pau na mão, já se preparavam pra descer o braço no boneco — com gosto, com força, com tudo o que tava entalado no peito. Dizia-se que era uma forma de espiar os pecados da infância: levar umas palmadas da mãe de manhã e descontar tudo no Judas à tarde.

Hoje em dia, essa tradição quase não existe mais. A malhação do Judas, o pau-de-sebo, os pelotes de barro e até a galinhada da discórdia foram ficando pra trás, engolidos pela modernidade, pelo computador, pelos celulares e pelas janelas trancadas. Mas a lembrança… ah, essa ainda vive. E cada vez que chega o Sábado de Aleluia, ela volta, com cheiro de peixe, com gosto de canjica e com o som de panelas batendo ao ritmo da cantiga:

“Aleluia, aleluia,peixe no prato, farinha na cuia!”.

E viva Cuiabá, com seus 306 anos de história, riso, e memória!

Viva Cuiabá!

(*) FRANCISCO DAS CHAGAS ROCHA  é Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso.

Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do site de notícias www.hnt.com.br

 

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