A resolução 2.427/2025 foi publicada na edição desta quarta do Diário Oficial da União, com efeito imediato. Ela proíbe o bloqueio hormonal para crianças e adolescentes e define que o tratamento hormonal cruzado só pode ser feito a partir dos 18 anos. Antes, a regra autorizava o bloqueio e permitia o tratamento hormonal a partir dos 16 anos.
Além disso, a norma amplia para 21 anos a idade para realização de cirurgia de redesignação sexual quando esta resultar em esterilização. Pela resolução anterior, editada em 2019, o procedimento poderiam ser feito a partir de 18 anos. Pessoas que já estão com os tratamentos em curso não serão afetadas pelas novas regras.
De acordo com o presidente do CFM, os médicos que não cumprirem a determinação do conselho poderão sofrer punições como advertência, censura, suspensão e até cassação do registro. "É uma norma do Conselho Federal de Medicina que tem que ser cumprida", disse Gallo na coletiva de imprensa sobre a resolução.
O tratamento com bloqueadores hormonais de puberdade é feito para impedir a evolução da puberdade, fase marcada pelo desenvolvimento genital, crescimento de pelos e mudança na voz, entre outras características. Já a terapia hormonal cruzada é usada para que a pessoa adquira características do gênero com o qual se identifica.
"A falta de acesso ao bloqueio puberal aumenta muito o impacto na saúde mental, que já é uma questão de atenção entre a população trans", afirmou Andrea Hercowitz, pediatra e hebiatra da Associação Mães pela Diversidade, em entrevista antes da publicação da resolução. "Além da auto-hormonização, que muitas vezes é feita de forma errada, com medicações erradas - e aí, sim, essas pessoas são colocadas em risco".
Questionado sobre o tema, um dos relatores da resolução no CFM, Raphael Câmara, argumentou que seria "muito difícil" a medida levar à ampliação do uso de hormônios por conta própria, sem acompanhamento. "A forma de obter essas substâncias, que não tem em farmácias, a dificuldade é bem maior. Não acreditamos que isso vai acontecer. Obviamente casos pontuais podem acontecer, mas isso não vai acontecer de grande monta", disse.
Durante a apresentação, Câmara afirmou que a resolução tomou como base evidências científicas que mostrariam aumento no número de arrependimentos em relação ao processo de transição de gênero, e casos de tentativa de reversão do processo de transição. Ele disse, porém, que a norma também levou em consideração pesquisas que mostram o contrário, que o índice de arrependimento é baixo.
Segundo Câmara, há um "sobrediagnóstico" de pessoas trans, o que levaria a um índice de arrependimento grande em relação ao processo. "Está havendo um sobrediagnóstico. Mais crianças e adolescentes estão sendo diagnosticados com disforia de gênero e levados a tratamento. Muitas crianças que no futuro poderiam não ser trans, mas simplesmente gays e lésbicas", disse.
O médico admitiu, no entanto, que não há uma resposta sobre o tema, porque os estudos existentes não têm evidências robustas. "Às vezes, a falta de evidência exige prudência", afirmou. De acordo com ele, foram analisados estudos que mostram desde um índice de 2% de arrependimento a pesquisas que indicam até 40%.
Quando questionado sobre qual o critério utilizado para escolher o desfecho mais negativo, ele afirmou que foram consideradas as pesquisas mais recentes. "Priorizamos estudos mais recentes, porque não teria sentido focar em estudos anteriores ao ano de 2019; queríamos saber o que mudou de lá para cá".
MPF apura legalidade da norma
O conselho tem sido criticado por entidades que defendem os direitos das pessoas trans por dificultar o acesso a essas terapias. Na última segunda-feira, 14, o Ministério Público Federal (MPF) instaurou um procedimento para avaliar a legalidade da norma.
Durante a coletiva de imprensa, o CFM foi questionado sobre a participação de entidades e especialistas na elaboração da resolução. Câmara argumentou que esses grupos foram consultados na construção da resolução anterior.
"Na resolução de 2019, eles foram exaustivamente ouvidos. Esse histórico está todo presente nos anais do CFM, os argumentos não tendem a mudar muito, pelo contrário, se mudassem seria até para o outro lado", justificou.
Câmara foi secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. O médico é conhecido por ter opiniões conservadoras em relação a temas como o aborto, por exemplo.
'CFM não age com ideologia'
O CFM também já foi alvo de críticas por tomar decisões técnicas com base em orientações ideológicas, sobretudo durante a pandemia de covid-19. Na época, o conselho editou norma que permitiu aos médicos prescrever tratamento com cloroquina, apesar de evidências científicas mostrarem a ineficácia do medicamento no combate à doença.
Questionado se a nova resolução sobre pessoas trans seria reflexo da ideologização do órgão, o presidente do conselho rebateu as críticas: "Problema de Bolsonaro e Lula é problema dos dois, não está nesta casa. Eles é que definem a política deles e não o Conselho Federal de Medicina. O Conselho Federal de Medicina não age com ideologia política".
(Com Agência Estado)
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